quinta-feira, 4 de outubro de 2012



Tortura infantil


Eu nunca compreendi muito bem a febre do começo do Ano Lectivo. Aqueles miúdos contentíssimos e em euforia por gastarem umas resmas de dinheiro em livros, cadernos, lápis... Quando era miúda, mal as publicidades a anunciar o material escolar começavam, eu entrava em estado catatónico. Detestava a escola. Mas detestava de chorar, de deprimir, de perder noites de sono a matutar sobre o martírio que seria voltar às aulas.
Ora, perguntarão vocês sobre o porquê disso acontecer. Eu explico.
Quando entrei para o primeiro ano, com seis anitos, era uma miúda habituada a levar no pêlo todos os dias (a minha mãe não se esquecia de me limpar o pó). Sempre fui uma criança responsável e calma, mas bastava fazer alguma caca insignificante e pumba! Toma lá umas lambadas nesses couratos.
Não era nenhuma bonequinha de loiça, portanto. Mas, o que eu nunca pensei é que fosse levar verdadeiras tareias na escola. Se eu escrevesse um livro a contar pelo que passei, vocês pensariam tratar-se de ficção. Era cabeçadas no quadro, reguadas diárias, puxões de orelhas até ver estrelas, arremesso de apagadores na minha cabeça... Um verdadeiro manancial de tortura medieval. Não era só comigo, é certo, mas aquilo magoava-me e humilhava-me até às entranhas.
Para terem noção, eram horas de medo e terror constantes. Passava o horário das aulas cabisbaixa para a besta da professora não se lembrar que aqui o bombo de porrada existia. Tentativas infrutíferas de passar despercebida.
Se hoje revisse essa mulher, seria das poucas pessoas que me despertaria instintos assassinos e que valeria na boa uns 20 anos na prisão orgulhosa por ter torturado aquela herança do Estado Novo.
O medo nunca me abandonou. Aprendi a lidar com ele. Tirei a minha primeira licenciatura e agora meti-me noutra. O tempo que estive parada fez-me perceber que me esqueci de como andar a passear nos corredores achando que era uma rapariga normal e que aquilo era tudo muito lindo. Não é. Para mim, nunca foi.
Sou professora e tive a sorte de trabalhar como tal algum tempo. Nunca humilhei nenhum aluno, nunca tive instinto de lhes bater, nunca quis que eles sentissem medo de mim. Não consigo lidar com os meus medos, mas conseguia saber muito bem que não queria que aquelas crianças passassem pelo que passei.




21 comentários:

  1. Eia cum caneco!
    A minha professora da primária só dava umas palmadas na mão - acho que só levei uma - e dava uma lambada ou outra àqueles putos deficientes que tinham o diabo no corpo.
    Mas agora sovas dessas, ouveeeee...... havia de ser agora, que os putos é que dão tareões nas professoras! Essa bruxa saía de lá de maca.
    Se algum dia fores à procura dela diz que eu acompanho-te com uma machadinha. V for Vendetta!

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    1. A porca já deve ter morrido. Trincou a língua e foi para o olho do Judas!

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  2. Eu sempre me entusiasmei porque tive direito ao oposto. Uma primeira professora dócil a atenciosa. Nunca tive nenhuma violenta ou injusta.

    Sempre gostei de estudar, de aulas, de aprender algo novo. Se me saísse o euromilhões tirava uma porrada de formações e canudos, só pelo prazer de andar na escola.

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    1. LOL! Eu também investiria no conhecimento. É tão prazeiroso! :)

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  3. Estou parva porque este post poderia ter sido escrito por mim!
    é sempre mau quando estas coisas acontecem :(

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  4. Estou chocada com o teu caso e com o da Bomboca!
    Juro que li duas vezes com toda a atenção e ainda me custa a crer em toda esta história...
    Que raio de bicho tiveste tu como professora?!
    A minha deu-me muitas, muitas, mas muitas reguadas mas era justa e gostava de todos nós.
    O último ano que esteve connosco fê-lo com grande sacrificio pessoal porque nos quis acompanhar até ao ultimo dos quatro anos.
    Correspondemo-nos durante muitos anos e lembro-a com muito carinho.
    Tanta pena por vocês...a serio...
    Aprender é um prazer e devem fazer-nos entrar nessa etapa com carinho, com atenção e contangiando-nos com coisas boas, não com terror...
    Nem sei o que vos dizer...estou chocada.

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  5. Eu era um bom aluno, mas levei muitas por ser traquinas. Gostava de pregar partidas e de fazer palhaçadas quando a prof estava de costas. às vezes ela virava-se e apanhava-me na palhaçada e dava-me 6 reguadas e punha-me na última fila, separado dos outros por quase metade da sala vazia.
    Quando me apanhava de costas na conversa, vinha sorrateira e dava-me com cada estalo na cara, que parece que ainda sinto os ouvidos a zumbir.
    Também não gostava da escola e durante as férias, quando me lembrava que ia voltar à prisão, dava-me um nó no estômago. :P

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    1. O mais triste disso tudo é que ficas marcado para sempre. Não consigo olhar para a escola e ver algo bom. A minha parte racional diz que tenho que frequentar, que é bom para o meu futuro, mas isso deixa-me os nervos em franja.

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  6. Isso foi uma altura da tua vida bastante traumatizaste :S

    Http://styleloveandsushi.blogspot.com

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  7. Compreendo-te perfeitamente.
    Ao ler o teu relato, até as lágrimas me vieram aos olhos.
    Reguadas, levar com o apagador, os livros e os cadernos na cabeça com uma força brutal. E eu até era das melhorzitas, imagina os outros.
    No meu primeiro dia de aulas levei logo, por ser canhota e por só saber escrever o meu nome com letras maiúsculas. Entre outras coisas, que não conto para não ferir susceptibilidades.
    A minha mãe contou-me que ela tem um cancro na bexiga, e automaticamente saiu-me da boca a palavra karma. Pode até parecer mal mas foi o que senti.
    Peço desculpa pelo testamento.

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    1. Para além do cancro na bexiga, espero que tenha hemorroidas e herpes genital. Vaca!

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  8. Felizmente comigo nunca se passou nada. Mas fico triste quando vejo histórias com esta. Hoje em dia, cá no Brasil, o puto pode ter o diabo no corpo, mas se o professor faz algo como dar reguadas ou palmadas, o mandam para a cadeia.

    Beijinhos.

    http://universodeumcloset.blogspot.com
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    1. Também não se devia exagerar. Principalmente se invertem a situação e deixam os putos fazer 30 por uma linha (curiosa expressão) e os professores são obrigados a ficar ali a suportar maus tratos com receio de represálias legais!

      :)

      Disciplina SIM, agressão não. A fronteira não é tão ténue assim.

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  9. Bem da primária não tenho saudades é certo, a professora que tive era maluca da cabeça, isso ou uma frustrada sexual! Todos os dias havia pancada naquela sala, eu que era boa miúda e metida no meu canto nunca levei nenhuma, mas os outros miúdos que falavam para o lado (não precisava de ser nada por aí além) levavam e não eram poucas. Lembro-me como se fosse hoje, da professora chamar ao quadro a R. e ali à frente de toda a gente começar a distribuir estalos e mais estalos :S E olha que não eram daqueles de sacudir o pó! O problema era que os pais apoiavam naquele horror :/

    No entanto, passado a primária, comecei a gostar da escola e a desejar com todo o meu ser que as férias acabassem. Porquê? Bem, porque para aí aos meus 13 anos comecei a trabalhar, e não era coisa pouca! As férias da escola nunca foram, como para a maioria dos adolescentes, para descansar, ficar a dormir até tarde e passear. Não senhora, era para acordar às 6.30 da manhã e trabalhar até à noitinha, ah pois que com os meus pais não há dessas coisas de ficar em casa de papo para o ar.
    Deste modo, estava sempre ansiosa pela escola, pelo menos sempre "trabalhava" menos :D

    Beijo
    Desculpa o testamento

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    1. Ó Pi, e se eu te disser, ressalva seja feita ao exagero, que concordo com essa linha de pensamento?
      Quero dizer: as crianças não têm de trabalhar per si, mas só ficavam melhor preparadas para a vida se começassem a partilhar responsabilidades e a sentir um pouco que as vão ter um dia. Só papo para o ar faz-me muita confusão, principalmente se se recusam a ser dinâmicas, a passear e a conhecer lugares.

      Anseio para que as crianças na família atinjam uma idade em que possam participar em intercâmbios ou organizações internacionais ou de solidariedade para terem um pouco contacto com outras realidades. Podiam tirar cursos, ou simplesmente, ajudar na cozinha, coisas pequenas, mas que fazem diferença. Porque depois da escola acaba tudo. Tudo lhes será exigido e como será que uma criança que teve tudo sem esforço se vai adaptar a um mundo onde nada lhe será entregue de bandeja?

      Por vezes acho que essas até se adaptam melhor, outras penso que se está a negligênciar a educação de um ser humano :))

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  10. Pior era levar nas fuças e ter de comer e calar.
    Se os nossos pais soubessem, em casa "comíamos pela medida grossa".
    Era horrível o que nos faziam. Nem sei como é que agora há tanto abandono escolar... se eles levassem metade do que nós apanhámos...
    Pior era o clima de terror que nos fazia andar encolhidos, sempre com medo de respirar fundo e levar um estalo. ahah

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  11. Essa professora era mesm maluca.
    Cheguei a levar umas reguadas mas daquelas que não fazem mal a ninguém, se é que me faço entender.
    A minha professora da primária era exigente mas boa pessoa. O engraçado é que agora volta e meia trabalhamos juntos e é muito engraçado.

    (em relação à saida a minha colega não bebeu)
    beijinhos para ti e bom fim de semana.

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  12. Eheh. Cada uma de nós tem uma história. Posso dizer que foram professoras tiranas que me tiraram o gosto pela participação nas aulas. Tive uma "hitler" que achava que o sistema de ditadura a medo era ensinar e ignorar a punição para os infractores.

    O que vale é que mesmo pequenita lá sabia bem distinguir o certo do errado e tudo o que fiz foi lamentar por ela o seu comportamento. Porém foi eficaz. Já nem me dava ao trabalho de levantar o braço para participar já que era sempre ignorado.

    Se soubesse alguma coisa sobre direitos como sei hoje, teria feito uma participação, como me chegaram depois a sugerir. Mas eu achava que eu é que tinha de lidar com o que aparecesse.

    Entre essas também tive algumas realmente boas, mas a maioria não aqueciam nem arrefeciam. As piores, a meu ver, são as negligentes. As que não ensinavam nada e ficavam ali como turistas. Apanhei estes exemplos já nas vésperas da universidade.

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  13. Eishhhhhhhhhh cum caneco!!
    Estás a gozar!!! Isso gera traumas muito prolongados vida fora Colour :S

    O mais estúpido disto tudo, antigamente levavamos muitas e andavamos todos na linha, hoje em dia alunos batem em professores e uma chapada nas trombas de muitos míudos não fazia mal nenhum.

    O bom disto tudo é que se falas nas coisas tens plena consciência que os tempos mudaram e o que já lá vai... já está enterrado e é passado.

    Beijinho

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  14. Enahhh... Eu tive uma professora primária 5 estrelas. Evitava bater ou dar castigos e quando o fazia por alguns dos alunos serem autênticos terroristas, tinha de sair da sala para chorar por os ter posto de castigo. Doía mais à senhora do que a nós e à conta disso teve um esgotamento. Era muito paciente e atenciosa, por isso adorávamos a escola.

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  15. A sério?!! Mas eu pensava que essa dos profs violentos era só na altura dos nossos pais (e acredito que sejas mais nova do que eu)?
    Fiz toda a minha escolaridade em França e, por lá, não havia porfessores a levantar a mão sobre um aluno, por mais indisciplinado que fosse! A sério, fiquei chocada!

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